Celebração da Voz Humana/2

Eduardo Galeano

mulher costurada Tinham as mãos amarradas, ou algemadas, e ainda assim os dedos dançavam, voavam, desenhavam palavras. Os presos estavam encapuzados; mas inclinando-se conseguiam ver alguma coisa, alguma coisinha, por baixo. E embora fosse proibido falar, eles conversavam com as mãos.

Pinio Ungerfeld me ensinou o alfabeto dos dedos, que aprendeu na prisão sem professor:
- Alguns tinham caligrafia ruim – me disse -. Outros tinham letra de artista.A ditadura uruguaia queria que cada um fosse apenas um, que cada um fosse ninguém: nas cadeias e quartéis, e no país inteiro, a comunicação era delito.

Alguns presos passaram mais de dez anos enterrados em calabouços solitários do tamanho de um ataúde, sem escutar outras vozes além do ruído das grades ou dos passos das botas pelos corredores. Fernández Huidobro e Mauricio Rosencof, condenados a essa solidão, salvaram-se porque conseguiram conversar, com batidinhas na parede. Assim contavam sonhos e lembranças, amores e desamores; discutiam, se abraçavam, brigavam; compartilhavam certezas e belezas e também dúvidas e culpas e perguntas que não têm resposta.

Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada”.

5 comentários:

Anônimo 5 de agosto de 2009 às 17:24  

O período da ditadura foi uma época difícil, no Brasil que o diga, muitas vidas foram suprimidas, muitas vozes silenciadas, e mesmo ante tanta repressão, nossos artistas, poetas e escritores, não se calaram, continuaram se expressando, cada um do seu modo, e isso é intrínseco do ser humano, a comunicação, a interação uns com os outros, sempre temos algo a dizer a alguém, e isolados, isso não é possível...

Profa. Shara Jane 5 de agosto de 2009 às 17:24  

Muito interessante seu comentário sr. Anônimo. Em especial porque não vivemos mais na ditadura, e este espaço que se quer democratico a pessoa pode se revelar sem medo de se mostrar.
Da proxima vez mostra a sua cara, quero ver quem escreve... confia em mim.

Catarina Oliveira 1º C 5 de agosto de 2009 às 18:38  

Desde os tempos pré-históricos observa-se a necessidade que o homem tem de se expressar. É algo tão essencial quanto o ato de beber água. Seja através de uma música, uma poesia, uma pintura ou até mesmo de um simples gesto, não se pode negar que a liberdade de expressão é vital para a existência de qualquer ser humano. Um grito, um regime não é suficiente para mudar esse fato. É algo que transcende qualquer barreira e que nos diferencia como seres racionais, dotados de dignidade, pertencentes a um determinado grupo e com poder de ação sobre ele. Na medida em que nos libertamos de todas as amarras que tentam nos impedir de agir segundo essa natureza, estamos exercendo o nosso verdadeiro papel social.

Andréa Barbosa 6 de agosto de 2009 às 09:29  

Ótima a colocação de Catarina: "Na medida em que nos libertamos de todas as amarras que tentam nos impedir de agir segundo essa natureza, estamos exercendo o nosso verdadeiro papel social."

shara jane 7 de agosto de 2009 às 04:30  

Concordo com Andrea, gostei do comentário da Catarina e acrescento dizendo que quando algo nos amarra a voz significa que não vivemos num espaço democrático, que não vivemos as regras e que vivemos em meio a uma imensa violencia! Por isso, precisamos, a cada dia, exercitar a nossa voz para que possamos falar com pertinencia, implicação e integridade. Precisamos cada vez mais disso! Celebremos pois a voz humana!

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Apresentacão

Este blog foi criado para dar vazão a nossa arte de criar argumentos sócio-jurídicos. Queremos celebrar a voz humana. Libertá-la de quaisquer amarras. Por isso, não tenha medo, neste espaço, de dizer o que sente, o que pensa e o que faz! Nossas aulas serão ainda mais valiosas se você partilhar conosco suas idéias, conceitos e jeitos de ser e viver. Por isso não se faça de rogado(a), tire as sandálias, se assente e ocupe um lugar entre nós. Porque a celebração da voz humana quando “[...] é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer [...] não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada.” (Eduardo Galeano).